Movimento, 2013/2014
Exposição realizada em Udine, Itália, com curadoria da Dra. Francesca Rossi, na galeria Laboratório 2 Internacional, de 2 a 22 de fevereiro de 2013. Movimento é a expressão do mergulho do corpo, no espaço. As sombras e as silhuetas são resultados de um impulso, que lembra o vazio e a ausência, onde a âncora do invisível mantém o equilíbrio.
A exposição em Porto Alegre, ocorreu na Arte Fato, de 31 de março a 25 de abril de 2014, com curadoria de Paula Ramos que traduziu a poética da artista e sua pesquisa com afresco contemporâneo, com a fluidez do movimento que se dirige para além do limite do suporte.
Esta coleção se iniciou com o uso das próprias medidas dos membros da artista que em um segundo momento adquiriram fluidez e movimentos explorados através da dança.
Prof. Dr. Lauer Alves Nunes dos Santos
Laboratório de Curadoria do MALG / LAC MALG
Um diálogo amoroso
A poética de Lenora Rosenfield é resultado de um longo processo de observação, pesquisa e compreensão das características dos materiais e dos métodos da pintura; no caso em particular, dos relacionados à milenar técnica do afresco.
Em desuso, o afresco (do italiano affresco = “fresco”) é um tipo de pintura mural que consiste na aplicação de pigmentos puros, misturados somente com água, sobre uma base úmida de gesso ou cal. No processo, as cores penetram nesse revestimento, integrando-se ao suporte. Algumas das maiores obras primas da história da arte ocidental são afrescos, como o ciclo narrativo de Giotto (1267–1337) na Capela dos Scrovegni, em Pádua; a Capela Sistina, expressão sublime de Michelangelo (1475–1564), na Cidade do Vaticano; ou as radiantes composições de Giambattista Tiepolo (1696–1770) no Palácio Patriarcal, em Údine. Foi desse último conjunto que Lenora extraiu a imagem em perspectiva de um anjo rebelde em queda, sendo expulso do Paraíso por São Miguel. Reduzido a forma e a contorno, quase uma imagem cartográfica, é um dos motes da artista, que aplica, recorta e sobrepõe o fragmento dezenas de vezes, dessa vez em seus afrescos.
Os afrescos de Lenora, diferentemente dos citados, não são fixos, tampouco parietais. Eles são resultado, enquanto matéria, de experiências químicas com elementos hodiernos, usados na construção civil, como argamassa e feltro; enquanto conceito, mantêm o princípio da técnica: pigmento e água reagindo a uma base especialmente preparada, tornando-se uma só entidade.
Há mais de 15 anos a artista se dedica ao que chama de “afresco sintético”. Esse percurso investigativo e artístico está em consonância com sua atuação como docente na área de pintura junto ao Instituto de Artes da UFRGS e também com seu trabalho pregresso em restauração. Estamos falando de uma professora-pesquisadora que alinhava com desenvoltura a produção pessoal à trajetória acadêmica e aos interesses mais subjetivos, como a dança, foco da série Movimento.
Lenora descobriu-se fascinada pelas expressões corporais por volta de 2005, quando decidiu aprender a dançar ou, como ela mesma diz, a “alfabetizar o corpo”. Na época, tinha concluído recentemente seu Doutorado em Artes, levando para as telas, de modo geométrico e aparentemente distante, as medidas do seu próprio corpo. Nas aulas de dança, a observação de outros corpos, desta vez em movimento, engendrou uma mudança radical: das formas controladas e assépticas, partes inertes referenciando um só corpo, passou à figuração de corpos plenos, leves e fluídos. São esses corpos transfigurados que surgem, reiterada e sequencialmente, no espaço padronizado, alguns conquistando discreto volume, como se buscassem ultrapassar os limites do suporte. Dispostos lado a lado, os suportes quadrangulares não deixam de remeter à quadrícula, um dos dispositivos adotados na pintura em perspectiva encontrada nos afrescos de igrejas e palácios do Barroco. Estamos de volta, portanto, a Tiepolo e ao início deste texto, principalmente se pensarmos em como os artistas do Setecentos subverteram a retórica da representação, explorando efeitos ilusionísticos e projetando suas figuras para além da “moldura”, fosse ela real ou estabelecida pelas linhas arquitetônicas.
A circularidade de questões costuma definir a poética de um artista. No caso de Lenora Rosenfield, esta é fruto de alentadas observações, leituras e estudos, mas também, fundamentalmente, da vivência introspectiva no ateliê. É nesse ambiente alquímico, adotando a rapidez de execução que a técnica do afresco requer, que Lenora vai libertando suas figuras, ela própria. Do anjo caído de Tiepolo ao dançarino incansável, é sempre ela, em seu profícuo e amoroso diálogo com tempos, técnicas, materiais e tradições.